Impressionante como chove quando eu saido do trabalho. A água castiga a cidade não mais que 5 minutos, os mais que suficientes para acender o espírito de caos pelo qual São Paulo é tomado quando chove. Sempre chove no final da tarde em São Paulo, é a hora em que os pobres saem do trabalho, e o estupro é inevitável. Relaxa e goza?
Encosta na fila, empurra, aperta, passinho. Leva cotovelada, confere se a carteira ainda está no bolso, passinho. Se irrita, passinho, não é possível, passinho, mais um e é minha vez, passinho, enfia o bilhete e passa a catraca. Aproveita os últimos instantes de oxigênio em abundância.
Metrô anda, metrô para. Na freiada todo mundo vem pra traz num movimento uniforme, empurra. Anda mais um pouco, freia forte como se tivesse um cego atravessando o trilho de repente. Porra, esse filho da puta parece bêbado...
Com gritinhos esganiçados riem duas meninas feias a cada freiada. Para na estação, um homem resolve atravessar o vagão pra sair pelo outro lado, tomando impulso com o braços fortes de anos trabalhando na construção civil castiga as pessoas sem dó nem piedade. Tudo o que está no caminho, ou vai junto ou sai de lado. Um velhinho com apenas dois dentes na boca (um pra doer e outro pra abrir a garrafa de cachaça) desata a rir quando é empurrado. Olho em volta. Todo mundo rí da situação.
E então me soltam a pérola: "Coitado, deve estar com pressa" diz uma das meninas - feias pra caraleo por sinal - do risinho esganiçado. Pressa? Do que será que ele tem tanta pressa, a ponto de esquecer a presença de seres humanos ao redor?
Ah, já sei - (Pleck) estala os dedos - Ele deve estar com pressa de pegar o trem sentido Reino Encantado da Casa do Caraleo descer e parar no boteco com os amigos encher a cara de cachaça e ficar olhando as bundas que passam pra lá e pra cá chegar em casa bêbado bater nos filhos mijar na geladeira esmagar a cabeça do cachorro com um martelo estuprar a própria esposa que passou o dia inteiro lavando roupa pra juntar algum uma vez que ela pensa em dar um futuro pras crianças que agora estão inteiras doloridas pensamento esse que parece tão distante e vai cada vez mais longe no mesmo ritmo que a ultima lagrima que esses olhos podiam soltar escorre pelo rosto seguindo a lei da gravidade ate bater no chão e quando ela secar so vai restar a dor e esse corpo enorme cheirando a suor e bebida ao seu lado.
O estupro é inevitável, passinho, esse filho da puta parece bêbado, passinho, todo mundo rí da situação, passinho, deve estar com pressa... p-passinho.
"...embriagai-vos sem tréguas! De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor". (Baudelaire)
dezembro 21, 2005
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Um comentário:
Muito bom.... Genial...
Todos estes que riem são de fato contra empurar, puxar, xingar... lógico quando isso os afeta. A falta de respeito ou poderia dizer de humanidade as faz rir de algém que não tem respeito nem por si próprio. Essas pessoas são as mesmas que precisam ser lembradas que os banquinhos cinza são reservados, que devemos esperar o desembarque antes de entrar e não devemos sair empurrando qualquer um que tenha pela frente como um bando de animais selvagens, que devemos respeitar para sermos respeitados.
Isso me lembra um fato: o motorista, um senho de meia idade, de uma empresa que conheci chegou um dia todo machudado porque foi empurrado na linhas Leste, caiu e foi pisoteado. São fatos lamentáveis, mas que são vistos e sentido todos os dias.
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